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À CONVERSA COM... O CAVALEIRO DAVID GOMES
À CONVERSA COM... O CAVALEIRO DAVID GOMES
18 de Dezembro de 2018

Finda mais uma temporada o Forcadilhas e Toiros esteve à conversa com… uma das jovens promessas do toureio, DAVID GOMES.

 

Nome: David Emanuel Bento Gomes

Data de nascimento: 24 de março de 1988

Natural de: Malveira

Nacionalidade: portuguesa

FT - Como é que nasceu o gosto pela arte de tourear?

DG - É complicado de explicar. Eu desde sempre que sou aficionado aos toiros e aos cavalos, sempre tive cavalos e ia com os meus pais às corridas. Um dia o toureiro Jorge de Almeida convidou-me para ir trabalhar com ele, para montar os seus cavalos e depois comecei a prepará-los para tourear. Um dia ele perguntou-me se não gostava de tourear uma vez numa praça e isso era um dos meus sonhos. Aí os meus pais disseram: “Epá! Não faças isso porque nós sabemos que se tu começas nunca mais paras.” Foi aí que tudo começou. Comecei na garraiada académica da queima das fitas de Coimbra, estreei-me como amador e nunca mais parei.

FT - O que é que sentiste quando vestiste a casaca a primeira vez?

DG - Foi numa corrida perto da minha terra, no Livramento. Alternei com o Mestre Joaquim Bastinhas e o Marcelo Mendes e obtive um bom triunfo, nesse dia. Fiquei ilusionado porque era mesmo aquilo que queria, entreguei-me completamente, mas claro que pesou a responsabilidade de tudo isso.

FT - Tiraste a alternativa este ano. O que é que sentiste nesse dia? Foi tudo o que esperavas?

DG - Sim, tirei a alternativa este ano no dia 6 de Maio, em Vila Franca. Esse foi um dia sonhado. Até o tempo nesse dia ajudou, como se costuma dizer. Tudo correu bem, o tempo, o público na praça, os toiros ajudaram. A minha lide de alternativa ainda foi mais bem conseguida do que a segunda lide, teve ferros de alguma emoção e na qual eu me senti muito a gosto, porque também tive o prazer de ser apadrinhado pelo Mestre António Telles, que é uma figura indiscutível da nossa festa. Fiquei muito contente, foi um sonho tornado realidade!

FT - Nos dias em que toureias tens algum ritual? Tens superstições?

DG - Sou bastante supersticioso, não saio de casa sem rezar, não coloco o tricórnio nem a casaca em cima da cama e levo as coisas sempre preparadas mais ou menos da mesma maneira.

FT - E tens algum amuleto?

DG - O meu amuleto são vários santinhos que levo dentro dos bolsos da casaca.

FT - Quantas horas é que treinas por dia?

DG - É até o dia ter horas, basicamente. Desde as 9 da manhã até as 9 da noite, uns dias mais, outros dias menos, depende de quando é que o trabalho está acabado.

FT - Tiraste o curso de Engenharia de Produção Animal em Santarém. Nunca trabalhaste nessa área?

DG - Não. Durante o curso eu já participava nas provas de equitação de trabalho e trabalhava cavalos e assim que terminei o curso dediquei-me mesmo a 100% aos cavalos.

FT - Como é que concilias o toureio com a vida profissional?

DG - Eu acho que não é fácil, mas tenta-se conciliar. A vida particular é depois do trabalho e basicamente só acontece à noite e aos domingos de vez em quando, porque para ser toureiro temos de viver para o toureio.

FT - O que é que serias se não fosses cavaleiro?

DG - Nada, não seria nada. Realmente não me vejo a fazer outra coisa sem ser isto.

FT - Qual é a praça que sonhas tourear?

DG - Em Las ventas, Madrid.

FT - E o toureiro com quem gostavas de repartir cartel?

DG - Gostava de tourear em Madrid com o Ventura e com o Pablo, mas tenho respeito por todos eles. Só o facto de tourear em Madrid seria uma coisa do outro mundo.

FT - Com quem gostavas de partilhar uma lide?

DG - Já tive o prazer de partilhar uma lide com o Diego Ventura, em Ronda. Foi uma coisa inesquecível, acho que os dois desfrutámos muito dessa lide.

FT - Tens algum toureiro que te sirva de inspiração?

DG - Tenho vários. Eu acho que temos de tirar um pouco de cada um e depois fazer o nosso toureio, porque nós temos que fazer aquilo que sentimos, mas claro que temos que aprender com as figuras do toureio como por exemplo o Mestre António Telles, o Diego Ventura, o Pablo Hermoso de Mendonza, o Rui Salvador com os ferros que tem tido, o João Moura que é um génio do toureio desde sempre e que o mudou e, também, o João Salgueiro. Temos que aperfeiçoar o toureio à nossa maneira mas com um bocadinho dos ensinamentos de todos eles.

FT - Como é que defines o teu toureio?

DG - Eu penso que o meu toureio é um toureio clássico no qual tento imprimir muita equitação porque desde sempre fui muito vocacionado para a equitação e, antes de começar a tourear já sabia montar muito bem. Então é um bocadinho disso com um bocadinho do toureio moderno para conseguir chegar às bancadas. Em todas as minhas lides o seu ponto final tem de ser algo diferente… um ferro muito, muito bom, uma sorte de violino, um par de bandarilhas, um palmo. Algo que faça o público aperceber-se que há um ponto final na lide. Para mim, não fazer isso é como escrever um livro sem contar o fim da história. Penso que se não se fizer este “ponto final” deixamos uma lide em aberto.

FT - O teu toureio em Portugal é igual ao que fazes em Espanha?

DG - Ele igual é, mas em Espanha há uma coisa muito diferente do toureio em Portugal. Nós lá temos de preparar o toiro para a morte e ainda acresce a dificuldade com os rojões de castigo. Colocando mal o rojão de castigo podemos prejudicar todo o resto da nossa lide. Cá em Portugal se colocarmos um ferro de saída mal, ele realmente está mal posto, mas não prejudicamos o toiro ao ponto de prejudicar a nossa lide. Em Espanha, temos de ir com muita cautela de saída, para que os rojões de castigo não façam danos de maior e, depois toda a lide é uma preparação para a morte do toiro. Temos que ver até que limite é que o toiro aguenta e temos que fazer mais “espetáculo” para conseguir chegar às bancadas, fazendo coisas diferentes com os cavalos.

FT - Encaras da mesma forma uma corrida em Espanha e uma corrida em Portugal?

DG - Eu encaro a responsabilidade da mesma forma, mas a minha mentalidade de tourear, no dia, tem de ser um bocadinho diferente. Tenho que adaptar-me ao local onde estou. Tenho de saber que hoje estou em Portugal e amanhã estarei em Espanha.

FT - Em Espanha os cavaleiros lusos cortam bastantes orelhas e rabos, no entanto quando os vemos a actuar em Portugal por vezes fica-nos um amargo de boca com o que presenciamos! Será que em Espanha uma lide menos conseguida é facilmente ultrapassada pelo uso correcto do rojão de morte?

DG - Sim sem dúvida que em certas praças de Espanha desculpam alguns erros cometidos durante a lide caso o uso do rojão de morte seja correto. Mas também se chegarmos às praças de primeira só o uso do rojão certeiro não chega. Enquanto que a verdade é que se não usarmos bem o rojão de morte mesmo que a lide seja muito boa não obtemos troféus.

FT - Para ti, o que é um bom toureiro?

DG - Para mim um bom toureiro é aquele que pratica uma boa equitação e que à sua maneira consegue mandar emoção para as bancadas. Aqui quem manda é o público e se o mesmo não estiver satisfeito com aquele toureiro, se ele não chega às bancadas, então ele não é toureiro.

FT - Que tipo de toiros é que gostas que te saiam em sorte?

DG - Eu gosto de toiros com bastante mobilidade. Penso que, acima de tudo, não é mais importante serem toiros muito nobres nem muito bravos, mas sim com mobilidade. Os toiros que ficam parados e não transmitem emoção para a lide são os mais difíceis para os toureiros, e com estes toiros não conseguimos chegar à bancada de forma nenhuma.

FT - Tens alguma ganadaria que prefiras tourear?

DG - É complicado, já toureei muitas ganadarias. Há ganadarias muito boas, que gosto muito, por exemplo Passanha, Murteira Grave, Charrua (adorei tourear, tem uma qualidade acima da média), Paulo Caetano, mas fundamentalmente, gosto de ganadarias que tenham mobilidade para que nós possamos chegar ao público e transmitir a nossa forma de tourear e emoção.

FT - Qual é o teu sentimento em relação aos forcados?

DG - Acho que eles têm uma valentia enorme e se calhar eu não seria capaz. São toureiros como nós, porque na arte de pegar um toiro tens que saber chamar, citar e esperar que o toiro meta a cara. É tal e qual como preparar um ferro e dou-lhes todo o mérito e valor.

FT - Costumas assistir a corridas? O que sentes quando estás a ver na bancada?

DG - Sim, bastantes. Para além de cavaleiro sou bastante aficionado. Nós quando estamos na bancada começamos a pensar que é mais fácil estar cá fora do que lá dentro e vemos as coisas mais claras. Temos sempre as nossas opiniões para connosco e não para com a pessoa que está a tourear. Quando aquilo não está a correr bem sinto “pena” porque gosto que os meus colegas se saiam bem. É claro que quero ser melhor que eles, mas gosto e quero que eles triunfem. Quando estou a ver uma corrida, gosto de bater palmas e gosto de estar com o toureiro que está dentro da praça.

FT - O que é que sentes quando vês as praças mais vazias?

DG - Fico com um bocadinho de pena, mas nós quando estamos a tourear não podemos pensar se as praças estão vazias ou cheias. Temos que encarar como se estivesse cheio e tourear da mesma forma e com a mesma alegria porque senão, as poucas pessoas que foram à praça não vão querer voltar. Nós temos sempre que dar um bom espetáculo ao público, seja ele muito ou pouco.

FT - O que é que achas que pode ser feito para chamar mais pessoas às praças?

DG - Eu penso que a parte mais importante é o marketing em volta da tauromaquia e fundamentalmente, não se pode fazer corridas só por fazer ou seja, as corridas têm de estar incorporadas dentro de uma feira ou a uma festa, algo que esteja ligado de uma certa forma a um evento que vai acontecer nessa terra. Só assim se consegue conciliar tudo isso. Além de que os cartéis têm de ser bem rematados com toureiros que estejam a ser falados na altura e com algum cabeça de cartaz para dar dignidade à corrida.

FT - Como é que encaras o facto de um espanhol ser anunciado e encher uma praça e um português não ter o mesmo efeito?

DG - Eu penso que, por exemplo, o Diego Ventura e o Pablo Hermoso de Mendonza enchem as praças cá em Portugal porque são figuras do toureio e porque, levando ao expoente máximo a equitação, fazem algo diferente diante do toiro. Também pesa o facto de as pessoas não terem possibilidade de ir a Espanha e quando eles vêm cá, todos querem vê-los. Nós, os portugueses, vamos tourear em todo o país. Hoje toureamos aqui, amanhã toureamos a vinte quilómetros daqui, e por aí. As pessoas já viram ontem e amanhã não vão ver a mesma coisa. Penso que é um bocado por isto que não se enche tão facilmente as praças.

FT - Qual é o balanço que fazes desta temporada?

DG - Faço um balanço muito positivo. Nesta temporada juntou-se a mim um novo apoderado, o Sr. Pedro Penedo e que me tem ajudado bastante. Pisei praças de grande importância e relevo para a tauromaquia, fiz corridas boas. Foi uma temporada marcante. Foi o ano da minha alternativa e da sua confirmação e, foram ambas as corridas bastante boas com alguns percalços, como todas elas podem ter, mas no geral é um balanço muito positivo. Fiz cerca de 22/23 corridas entre Portugal e Espanha e ao longo da temporada fui ganhando mais maturidade, mais segurança e um maior à vontade dentro da praça, o que para mim é muito positivo.

FT - Falaste na importância dos apoderados! 2019 Vais continuar a ter os mesmos apoderados/equipa?

DG - Os apoderados são muito importantes para criar nos a oportunidade de triunfar, sendo assim pretendo manter os mesmos apoderados de 2018 porque penso que foi uma temporada importante para mim.

FT - Quais são as perspetivas para 2019?

DG - São fazer o maior número de corridas possível, entrar em cartéis com alguma importância, tourear nas melhores praças do país e além-fronteiras, porque sou um toureiro que gosto de ir mais além, como já fui à Califórnia. Gosto dessas aventuras e dessas experiências, porque tudo isso nos faz crescer e ganhar maturidade para que as coisas mais tarde possam andar de forma sólida e com os pés assentes na terra.

NUMA SÓ PALAVRA:

 

Melhor lide?  Confirmação da alternativa no Campo Pequeno

Uma Ganadaria? Passanha

Um cavaleiro? João Moura e António Telles

Um grupo de forcados? GFA de Vila Franca de Xira

Um Bandarilheiro? João Belmonte

Uma Praça? Campo Pequeno

Um cavalo? Campo Pequeno

 

 

Um clube? Sporting

Um jogador? Cristiano Ronaldo

Um destino de férias? Dubai

Um país? Portugal

Uma cidade? Madrid

Praia ou campo? Campo

Cor Favorita? Verde

Uma palavra ou uma sugestão para o Forcadilhas e Toiros?

Continuem com a vossa afición!

 

 

Entrevista: Ana Silva

Fotos: Ana Silva / Armando Alves

Redação: Célia Doroana / João Carvalho

 

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