Periodicidade: Diária - Director: Armando Alves - 18/04/2024.
 
 
HOMENAGEM AO MAESTRO JOSÉ JÚLIO
HOMENAGEM AO MAESTRO JOSÉ JÚLIO
04 de Fevereiro de 2019





O Forcadilhas e Toiros esteve presente!

É de Vila Franca e chama-se José Júlio...

 

O filho primogénito desta terra, mãe de toureiros, será homenageado de diversas formas e por diferentes associações e organismos durante o ano de 2019.

Dia 31 de Janeiro o maestro completou 84 primaveras tendo o clube taurino vilafranquense organizado um jantar com cerca de 45 aficionados e amigos do Maestro para comemorarem esta data tão importante.

Já este sábado, dia 2 de Fevereiro foi hora de Vila Franca sair à rua e homenagear em vida este herói da terra com a inauguração de um busto em sua honra, uma iniciativa conjunta de uma comissão que juntou 5 elementos  Vilafranquenses bastante activos no meio tauromáquico e o Município de Vila Franca de Xira . O maestro e sua família bem acompanhados pelos representantes autárquicos e políticos, clero, figuras da festa e com uma multidão de aficionados seguiram do largo do Município para o largo do Mercado ao som da banda do Ateneu Vilafranquense, lugar onde foi inaugurado o busto, benzido pelo padre Rui, também ele um conhecido e fulguroso apaixonado por esta tradição e onde foram feitos os discursos da praxe, que desta, foram sentidos e que certamente não deixaram indiferentes todos os que lá estavam presentes, fazendo com que José Júlio fosse aclamado como o era em dias de triunfo nas arenas da nossa Palha Blanco e em seguida pelas ruas de Vila Franca.

Podemos ainda adiantar em primeira mão que esta a ser preparado para dia 11 de Outubro a realização de um festival de homenagem ao Maestro José Júlio, dia em que completa 60 anos da sua alternativa em Saragoça.

O Forcadilhas e Toiros teve o prazer de conversar com o Maestro sobre estes 84 anos de vida, 60 anos de alternativa e 50 anos efectivos como matador de toiros.

FT - O que sente ao olhar para o seu percurso como matador de toiros?

JJ - Uma imensa nostalgia do que foi a minha vida e o meu tempo, vivo essas duas épocas e estou a vive-las ainda, porque Deus desejou que eu tivesse a felicidade de ter a vida alongada que me permite assistir ainda ao que estamos a ter em mãos, que é um pouco o fim da tauromaquia, há 50 anos...há bem mais de 50 anos...quando eu cheguei ao toureio era um miúdo e não havia figuras, não havia toureiros a pé e a cavalo eram aqueles repetitivos, pareciam uns móveis que andavam a cavalo e estava a festa em baixo, nem o publico aderia, havia assim uns lampejos, umas vontades, umas corridas mais marcantes como o 15 de agosto e o colete encarnado, aí sim as pessoas aderiam. Depois surgem 5 novilheiros que são quem dão a volta inteira a festa dos toiros... desde os anos 55 e até hoje e aos quais ainda não se lhes fez justiça, e onde eu me incluo, José Trincheira, Amadeu dos Anjos, Armando Soares, José Júlio e Júlio Gomes, uma série de valores que até se podem equivaler as figuras de hoje em dia, que inclusive até podem tourear melhor que nos nessa época, mas a grande diferença é o estilo de estar na praça, tínhamos outro motor, como se costuma dizer, ter motor é ter ralé, ter raça, é ter gosto por ser toureiro, esquecer-se em praça que o toiro mata, ter paixão pelo que vai fazer e nessa altura nós pensávamos muito em ganhar muito dinheiro, não era ganhar um dinheirito era ganhar muito dinheiro, e havia toureiros que ganhavam verdadeiras fortunas e agente andávamos meio loucos, porque queríamos atingir esses níveis e para isso era quase preciso deixar-se matar, houve toureiros que se deixaram matar por ambições destas e hoje isso não vai no temperamento destas gerações novas, as gerações saíram frouxas, com o 25 de Abril o dinheiro chegou à mão de todos e os pais trataram bem os filhos o que não acontecia anteriormente, mas esses filhos saíram moles por natureza porque os pais é que lhes fizeram a cama. Lembro-me do meu filho Júlio uma vez querer um telemóvel novo, mesmo sabendo que o que ele tinha ainda funcionava, la lhe disse para ir comprar um novo, eu que nem um lápis tive para escrever... eu que também sou toureiro e reconhecendo isso,  também pecava e hoje isso acontece diariamente, os pais são o pior inimigo dos filhos.

FT -Qual o toiro ideal para a lide a pé?

JJ - Os encastes que se melhor adequam já estão mais que seleccionados , hoje já estão até mecanizados. Hoje há o abuso do ganadeiro deixar o toureiro entrar na sua propriedade e mandar na sua tenta, é um perigo, porque não há autoridade, sendo um matador de toiros podes acomodar-te as coisas porque mereces , porque foste uma figura , mas não podes dizer ao Sr. Ganadeiro que mude os encastres ou que uma vaca que não vai duas vezes ao cavalo mas tem 100 passos fica, porque esse toiro vai ter cem passos, mas são passos balofos, ninguém sente aquilo, ninguém sente, são eles que no próprio tentadero matam a festa.

FT - Porquê que em Portugal não se envereda por carteis mistos ou apenas de toureio a pé?

JJ - Isso está mais que justificado... porque os toureiros a pé não deram resposta, não houve valores que tivessem essa audácia, esse valor de se deixarem matar quase pelos toiros para superarem a lide a cavalo, porque quando na praça a lide a pé supera a lide a cavalo eles passam logo para segundas e terceiras núpcias, mas agora os rapazinhos não tem moral, não tem animo, não tem gana, não são capazes de o fazer. Eu as vezes recordo-me disso e digo... estes gajos não podem com o pendão... não podem com a bandeira as costas ... falta-lhes garra.

FT - Qual a diferença entre publico e os toiros dos dias de hoje e os do seu tempo áureo?

JJ - O toiro hoje não comunica... isto é uma festa de emoções e quem pode e quem aguenta e quem  deseja passar por essas emoções dirige-se a uma praça de toiros, não vai para o espectáculo para estar com os amigos a comer tremoços, tem de se estar completamente obcecado com o que se passa dentro da arena e é o animal que esta a friccionar essa emoção, então o toiro tem que levar uma volta muito grande para a festa voltar a ser real e devidamente interpretada. Não há nenhuma emoção hoje em dia... os toiros andam de lá para ca, há passes a mais. No meu tempo em que o toiro não estava completamente modificado, havia faenas de 12 passes em que se cortava 2 orelhas em Madrid... como é possível? estavam loucos? não sabiam o que estavam a ver?... bem pelo contrario, estavam galvanizados e emocionados porque esses doze passos foram dados na perfeição e com uma emoção e um estreitamento de espaço entre o toiro e a meia do toureiro e hoje já ninguém repara nisso... o toiro passa a dois metros do capote e da muleta e dizem que bonito que estético... mas ninguém sente nada porque quem esta lá em baixo é um descarado e o publico aplaude e noutro tempo começavam logo os assobios para os porem no sitio. há uma cultura que foi deixada de lado, antigamente levava-se os miúdos à praça, deixavam entrar sem bilhete e os pais ensinavam os miúdos o que se devia ou não aplaudir , hoje os miúdos já não sabem ouvir os pais, não tem a humildade de ouvirem o recado à frente de outras pessoas, acham que sabem mais que os pais, esse é o mal desta geração é a presunção. O que está a poluir a tauromaquia é a ostentação  e o snobismo com que se vai à praça , antigamente quem ia à praça eram os aficionados, hoje vai-se lá para ostentar, só presumem, não entendem nada.

FT - Como é que a tauromaquia em  Portugal vai sobreviver aos ataques dos anti-taurinos?

JJ - A festa dos toiros só muda quando os jovens forem capazes de tomar isso de acerto, porque só os jovens, os novos é que podem virar a festa ao contrario , mas sinceramente julgo que ainda não tem treino para isso, e vai demorar muito tempo especialmente no toureio a pé. Quando eu cheguei era um zé ninguém, tinha toda a carga da minha terra, borrava-me todo quando ia ao campo pequeno,  ficava sem dormir três dias quando vinha tourear no colete encarnado porque eu não queria falhar com a minha gente. O “é de vila franca e chama-se José Júlio” era uma sobrecarga que ninguém a aguenta, só o José Júlio é que a aguentou quase 80 anos. Não pode fazer uma vida normal de um toureiro que é boémio, que vai para os bares depois das corridas, eu não podia fazer isso, eu tinha de defender o “é de vila franca e chama-se José Júlio”, não era só ser toureiro... também tive privilégios por isso e hoje estou a ter o reconhecimento por muitas coisas que nunca foram reconhecidas em mim.

FT - Lançou um livro também sobre a sua vida, o que o fez querer deixar este testemunho?

JJ - A maior cornada que tive foi um cancro venenoso que me levou tudo, há 15 anos que fui operado, 3 horas de cirurgia e uma transfusão de sangue e lá ficou a próstata limpa, só que passado um ano lá voltou a rebentar, e eu pensei ca para mim, numa destas vais mesmo para o cemitério, mas há uma força moral , uma força interior de toureiro, de vencedor, de ser capaz, de ser um gladiador de lutar com essa doença que não és capaz de a curar porque não há remédio para ela mas consegues a amuar, consegues a encostar completamente a parede e encostou-se ... o meu cancrozinho está encostado a parede e curiosamente nessa altura eu não tinha esse reconhecimento que tenho agora das pessoas. Com a apresentação do meu livro tenho sentido esse reconhecimento não só aqui em vila franca de xira bem como por onde tenho passado para o divulgar. O livro veio da minha vontade de deixar ca alguma coisa escrita para os outros, pensava que qualquer dia o gajo (cancro) acordava e eu não deixava ca nada escrito...porque tinha guardadas as crónicas desde o primeiro dia que fui a saragoça e agora serviram para um livro.

FT - O que sente ao ser o primeiro matador de toiros a ter um busto na sua terra?

JJ - É realmente um reconhecimento enorme.

 

Texto e Fotografias de SOFIA ALMEIDA